A Câmara do Rio realizou, nesta quinta-feira (31), a segunda audiência pública para discutir os instrumentos da política urbana previstos no novo Plano Diretor da Cidade. Conduzido pela Comissão Especial do Plano Diretor, o debate faz parte de um conjunto de audiências públicas promovidas com o intuito de estudar e detalhar o Projeto de Lei Complementar no 44/2021, que propõe a atualização no atual Plano Diretor do Rio, em vigor desde 2011.
Uma das ferramentas de uso e ocupação do solo mais discutidas foi a Outorga Onerosa do Direito de Construir, que estabelece o pagamento de uma contrapartida financeira para edificações acima de um limite mínimo. Para o secretário Municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, o instrumento, que já é aplicado nas principais capitais do país, é essencial para que o município possa investir em políticas públicas, principalmente nas áreas de infraestrutura e de habitação de interesse social.
“É um instrumento fundamental para que a gente possa, além do bom aproveitamento do solo urbano, ter também princípios de inclusão, de redução do déficit habitacional e de processos de mais acesso aos direitos à cidade”, explica o secretário.
A falta de clareza no projeto sobre a aplicação dos recursos advindos da outorga, no entanto, foi apontada por alguns participantes como motivo de preocupação. O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Pablo Benetti, acredita que o texto deve determinar locais e percentuais de receitas, sobretudo para construção de moradias de interesse social, regularização fundiária e a criação e requalificação de espaços públicos.
“Sem determinar as áreas de investimentos e os recursos, é muito difícil que essas finalidades sejam efetivamente cumpridas. É importantíssimo que o Plano Diretor diga claramente onde será feito um investimento público. Se não, é apenas um plano de boas intenções, com princípios e diretrizes, mas de pouquíssima efetividade real na modificação da nossa cidade”, acredita.
Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsório e IPTU Progressivo
Também estão previstos, no texto do Plano Diretor, instrumentos que buscam reduzir os vazios urbanos em áreas que têm boa infraestrutura. Um deles é o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsório, que determina um prazo e condições para que terrenos vazios e imóveis subutilizados retomem sua função social. Em caso de descumprimento, poderá ser aplicado o IPTU Progressivo, com a cobrança majorada da alíquota do imposto até que se cumpra a obrigação.
O vereador Pedro Duarte (Novo) defende que antes da aplicação destas ferramentas, seja feito um estudo para entender o motivo dos imóveis estarem sem uso ou subutilizados. “Há muitas pessoas tentando alugar, umas tentando vender e não conseguem, outras não conseguem dar destinação por imbróglio judicial, inventários, regularização fundiária. Antes de discutir esses instrumentos, seria fundamental apresentar um estudo sobre a taxa de ociosidade, quais imóveis estão ociosos única e exclusivamente porque os proprietários não querem dar destinação ao seu imóvel”, reforça Pedro Duarte.
Já o sub-relator da Comissão Especial, vereador Tarcísio Motta (PSOL), acredita que o IPTU Progressivo deva ser visto como uma multa para o não cumprimento da função social da propriedade e não como um imposto com fins arrecadatórios.
“A dificuldade de aplicação da medida não deve nos impedir de colocar a medida em prática, porque ao longo dos 20 anos do Estatuto da Cidade, o IPTU Progressivo foi aplicado de forma muito tímida. É preciso haver consequências para a especulação imobiliária.
Áreas de Especial Interesse Social
Dentre os instrumentos abordados que podem viabilizar soluções habitacionais de interesse social, está o estabelecimento de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS). O Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem realizado um mapeamento das comunidades que, de acordo com o órgão, deveriam ser consideradas AEIS. Só na região central, há 55 ocupações nesta situação.
Daniel Souza, arquiteto da equipe técnica do Nuth, afirma que ainda durante as discussões dos grupos de trabalhos formados pela Prefeitura do Rio para a elaboração da minuta do Plano Diretor, havia a proposta de que todas as comunidades fossem consideradas como Zona de Especial Interesse Social (ZEIS), o que não se concretizou quando o projeto de lei foi apresentado.
“Quando a Prefeitura apresentou a minuta, essa discussão veio de uma maneira diferente: somente as comunidades com mais de 500 unidades serão consideradas Zona de Especial Interesse Social. Os mapas, tanto de AEIS como de ZEIS precisam ser revistos com cuidado, para garantir que a aplicação desses instrumentos tenham o mesmo norte e princípio no Plano Diretor”, reforça Daniel Souza.
Termo Territorial Coletivo
Pela primeira vez presente no texto do Plano Diretor, o Termo Territorial Coletivo (TTC), é uma ferramenta de política urbana que caracteriza-se pela gestão coletiva da propriedade de terra com a titularidade individual das construções. Deve ser utilizado em comunidades e assentamentos irregulares com o intuito de prevenir contra especulações imobiliárias e remoções dos moradores que ali vivem, mantendo as decisões sobre o local nas mãos da própria comunidade.
A representante do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Tarcyla Fidalgo, explica a importância deste instrumento dentro das discussões do novo Plano Diretor da Cidade. “Primeiro a gente traz uma segurança jurídica para os experimentos com o Termo Territorial Coletivo que já estão em curso na cidade desde 2018. Depois garante a articulação de uma série de políticas que já estão previstas, como a regularização fundiária e as AEIS. E tem também a oportunidade que o Rio de Janeiro assuma o protagonismo na utilização desse instrumento que ainda está se iniciando no Brasil”, detalha Tarcyla.
Fórum de acompanhamento dos trabalhos
Ainda durante a realização da audiência pública, os membros da Comissão Especial do Plano Diretor aprovaram a instalação de um fórum de representantes que possam acompanhar o trabalho do colegiado, contribuindo com informações, documentos e notas técnicas. “A gente espera que até a próxima semana tenha a publicação do regimento interno deste fórum de acompanhamento”, complementou o presidente da Comissão, vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania).
Participaram da audiência pública, além do presidente da Câmara do Rio, o vereador Carlo Caiado (DEM), os vereadores Tainá de Paula (PT), Jorge Felippe (DEM), Dr. Rogerio Amorim (PSL), Teresa Bergher (Cidadania), Vitor Hugo (MDB), William Siri (PSOL), Zico (Republicanos), Rosa Fernandes (PSC), Reimont (PT), Alexandre Isquierdo (DEM), Luiz Ramos Filho (PMN).
Também estiveram presentes representantes de instituições da sociedade civil, como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RJ), o Conselho Regional dos Corretores de Imóveis, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).