A Comissão Especial do Plano Diretor da Câmara Municipal do Rio realizou, nesta quinta-feira (24), uma audiência pública para debater os principais instrumentos de gestão do uso e ocupação do solo previstos na proposta (Projeto de Lei Complementar no 44/2021). A reunião foi conduzida pelo presidente da Comissão, vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania) e contou com a presença de representantes da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano (SMPU) e de entidades da sociedade civil.
A proposta no novo Plano Diretor descreve e regulamenta diversos instrumentos como a Transferência do Direito de Construir, as Áreas de Especial Interesse, a Ocupação Urbana Consorciada e o IPTU Progressivo no Tempo. Uma das principais ferramentas abordadas foi a Outorga Onerosa do Direito de Construir, que prevê o pagamento de contrapartida para construções acima de um coeficiente mínimo estabelecido, que varia de acordo com a região da cidade.
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Apesar de estar previsto no atual Plano Diretor, em vigor desde 2011, este instrumento só é utilizado atualmente nas regiões do Porto e das Vargens. A gerente de macroplanejamento da SMPU, Valéria Hazan, explica que quase todas as capitais brasileiras, além de cidades de médio porte, já adotam a outorga como ferramenta de financiamento do desenvolvimento urbano.
“Porto Alegre, que tem um mercado imobiliário similar ao do Rio de Janeiro, arrecadou R$ 144 milhões com a outorga, entre 2014 e 2016. Já São Paulo, arrecadou R$ 4,5 bilhões entre 2004 e 2021”, exemplificou Valeria.
A proposta do novo Plano Diretor determina índices mais altos nas regiões do Centro e Zona Norte, ao longo dos corredores de trem e metrô que ligam à região central, áreas que pretende-se um maior adensamento por concentrarem a maioria das ofertas de emprego e por possuírem infraestrutura já consolidada.
Aplicação dos recursos
Uma das preocupações dos parlamentares e de participantes da audiência é sobre como e onde serão aplicados os recursos arrecadados por meio da outorga onerosa. De acordo com o texto da proposta, os investimentos devem ser feitos de forma prioritária em ações como a habitação de interesse social e a preservação do patrimônio.
O vereador Pedro Duarte (Novo) lembra que o Estatuto da Cidade já determina a destinação dessas receitas. “Estamos retirando recursos da terra que devem ser devolvidos à expansão da cidade com qualificação, ordenamento urbano e investimentos”, reforça.
Fabrício Leal, representante do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional (IPPUR/UFRJ), alerta, ainda, que os instrumentos não priorizam a aplicação de recursos na redução das desigualdades sociais presentes nas diferentes áreas da cidade.
“Os equipamentos propostos não garantem a redistribuição de recursos com vistas à diminuição das desigualdades da cidade, não se dirigem à redução da segregação social e racial e também não garantem e nem priorizam, como deveriam, a promoção e acesso à moradia à população de baixa renda em áreas centrais e com oferta de equipamentos e serviços”, alerta.
Para a vice-presidente da Comissão Especial, vereadora Tainá de Paula (PT), o Poder Público precisa estar preparado para efetivamente aplicar o que está previsto. “Nós temos que indicar prazo em todos os instrumentos colocados no Plano Diretor, pois eles não serão aplicados de forma desarticulada, alguns precisam estar vinculados uns aos outros. E a Secretaria de Planejamento Urbano, a Prefeitura do Rio, precisa se preparar para aplicar esses instrumentos”, complementa Tainá.
Habitação de interesse social
A não determinação de onde os fundos arrecadados serão aplicados pode prejudicar os investimentos em moradias de interesse social, uma das diretrizes pretendidas pelo Plano Diretor. A defensora pública Viviane Santos, do Núcleo Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, reforça que o grupo de trabalho que vem acompanhando a elaboração do projeto de lei havia sugerido que ao menos metade do valor arrecadado fosse destinado ao Fundo de Habitação de Interesse Social.
"A realização de moradia formal e em condições adequadas ainda é uma realidade muito distante para a maior parte da população. E os mais prejudicados, os mais pobres, moram onde é possível morar. Não é uma escolha, mas sim uma opção diante de um cenário muito desigual”, revela a defensora.
Outras medidas
Apesar de, a princípio, a oferta de maiores potenciais construtivos ser um atrativo para estimular o adensamento em determinadas áreas da cidade, outros fatores precisam ser levados em consideração para o desenvolvimento urbano almejado. Para o consultor técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), Henrique Barandier, embora seja bem relevante, um coeficiente muito alto, em si, não é suficiente para induzir a ocupação de uma área.
“Para alcançar os objetivos do Plano, não basta ofertar índices e nem mesmo promover investimentos onde se quer estimular um maior aproveitamento do solo. Talvez tenha que se pensar em desestimular o aproveitamento do solo em determinadas áreas, com a introdução de restrições mais importantes aos parâmetros urbanísticos”, pondera Barandier.
Para o vereador Dr. Rogerio Amorim (PSL), a discussão sobre o desenvolvimento da cidade vai além de definir limites para a ocupação do solo. “Se nós queremos fazer um Plano Diretor que de fato cumpra essas metas impostas, nós não podemos dissociar da realidade que vivemos. Não adianta mudar a taxa de ocupação de solo, se não nos preocuparmos, efetivamente, por exemplo com a expansão do poder paralelo na Zona Oeste, por exemplo”.
Continuidade das discussões
Na próxima quinta-feira (31), o tema dos instrumentos de gestão do uso e ocupação do solo continua a ser discutido em mais uma audiência pública realizada na Câmara do Rio. O presidente da Comissão Especial do Plano Diretor, vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania), explica que a ideia é ampliar cada vez mais a participação da sociedade civil, com contribuições para a construção do Novo Plano Diretor.
“Esta foi a primeira parte de um estudo que fala dos instrumentos de políticas urbanas para várias situações da cidade, como gestão de uso e ocupação de solo, da função social da propriedade, meio ambiente, entre outros. É muito importante que todos continuem participando, pois essas informações advindas da sociedade civil vão ajudar bastante a termos um Plano que a cidade do Rio merece”, reforça o parlamentar.
Estiveram presentes os seguintes membros da Comissão Especial: Tarcísio Motta (PSOL), Vitor Hugo (MDB), Rosa Fernandes (PSC), Tania Bastos (Republicanos) e Jorge Felippe (DEM). Também participaram das discussões os vereadores Chico Alencar (PSOL), Teresa Bergher (Cidadania), Welington Dias (PDT), Rocal (PSD), Marcio Santos (PTB) e Zico (Republicanos). Também participaram do debate representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Conselho de Arquitetura e Urbanism (CAU-RJ), IplanRio, Instituto Lincoln para Políticas de Terras, Sociedade Brasileira de Arquitetos do Rio, Defensoria Pública e IPPUR/UFRJ.