A criação do Termo Territorial Coletivo (TTC), ferramenta de política urbana que busca garantir o acesso à moradia e à terra e a permanência das comunidades no seu território, com foco em áreas e zonas consideradas de especial interesse social, foi tema de uma audiência pública realizada na Câmara Municipal do Rio nesta terça-feira (28). A reunião, promovida pela Comissão de Assuntos Urbanos e pela Comissão Especial pelo direito à moradia adequada, recebeu representantes da sociedade civil, das associações de moradores e do Poder Executivo municipal para debater a criação do instrumento, prevista no projeto de atualização do Plano Diretor enviado pela Prefeitura à Câmara na última semana.
O TTC é um modelo de organização que permite que moradores de um determinado local tenham a titulação individual de suas casas, ao mesmo tempo em que constituem coletivamente uma pessoa jurídica que tem a propriedade do terreno onde a comunidade está situada. O objetivo é garantir a segurança fundiária e o desenvolvimento coletivo do território, preservando o direito individual dos moradores para venda ou aluguel de cada unidade de forma independente. A propriedade coletiva não pode ser vendida.
Representando a organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras (ComCat), Theresa Williamson e Tarcyla Fidalgo apresentaram dados sobre o TTC, incluído, pela primeira vez, na proposta de atualização do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro (Projeto de Lei Complementar nº 44/2021), como um dos instrumentos de política urbana. De acordo com Theresa, o mecanismo garante a segurança da posse, da moradia acessível, junto do fortalecimento comunitário. "O TTC tem se mostrado a mais robusta solução em momentos como de recessão econômica, e é reconhecido no mundo inteiro", destaca. A primeira experiência em área urbana data da década de 1980, e hoje se espalha pelo mundo, em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Porto Rico e Quênia.
Entre as características essenciais do TTC, Tarcyla Fidalgo apontou a adesão espontânea. "Nenhum morador é obrigado a entrar num TTC", explica Tarcyla. A gestão coletiva da propriedade comum, a partir da criação de uma entidade que será a titular da área em nome dos moradores, é um outro ponto importante do instrumento sinalizado pela executiva. "Ela conta com a mobilização constante dos moradores, o que acaba levando a um fortalecimento dessas comunidades", sublinha.
Segundo Tarcyla Fidalgo, o TTC em favelas e assentamentos informais, entre outros pontos, atende a preocupação dos moradores por titulação, mantém os ativos que a comunidade desenvolveu e os encoraja a continuarem a controlar o próprio desenvolvimento, mas agora com respaldo, apoio e vigilância proporcionada pela instituição do TTC.
Presidente da Comissão Especial do direito à moradia adequada, o vereador Reimont apontou para a importância de inserção do TTC à revisão do Plano Diretor. "É preciso promover uma conscientização crítica sobre qual cidade queremos e sobre qual moradia desejamos", reforçou o parlamentar. Já a presidente da Comissão de Assuntos Urbanos, Tainá de Paula, sinalizou que é fundamental a regulamentação do TTC na Casa Legislativa, mas, de acordo com a vereadora, é necessário que a cidade tenha uma política municipal da terra. "O Rio precisa formalmente de uma política municipal de regularização fundiária".
Para Valéria Hazan, representante do secretaria municipal de Planejamento Urbano, "o TTC é um dos instrumentos mais importantes na organização dos moradores em prol do bem comum, com viés de coletividade". O termo foi incluído no Art 147 do Projeto de Lei Complementar nº 44/2021, que revisa o Plano Diretor da Cidade. "O Plano Diretor não esgota o assunto, ele somente introduz", diz. Segundo a gestora, o tema deverá ser debatido no Plano Municipal de Habitação e promovido nas comunidades.
A representante da Secretaria Municipal de Habitação, Ana Maria Luna, revelou que a pasta, no momento, prepara a convocação do Comitê do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social.
Projeto piloto
As comunidades de Trapicheiros, da Vila Autódromo e Cooperativa Esperança foram escolhidas para a implementação de um projeto-piloto de TTC no Rio de Janeiro. Neide Matos, da Cooperativa Esperança, revelou que os moradores conseguiram construir 70 casas dignas, por meio de um grupo organizado por autogestão e mutirão. "Vivemos em uma área que sofre muito com a especulação imobiliária. O TTC veio como uma luz no final do túnel. Que ele sirva de exemplo para o Brasil inteiro".
Ailton Lopes, da Comunidade Trapicheiros, conheceu a ferramenta em 2018 e se apaixonou por ela. "É uma ferramenta que vai blindar a comunidade contra a especulação imobiliária". Para Maria da Penha Macedo, da Vila Autódromo, a ferramenta pode trazer mais respeito às comunidades em relação ao direito à moradia.
Participaram ainda da audiência pública os vereadores Eliel do Carmo (DC), Monica Benicio (PSOL) e Rosa Fernandes (PSC); Ricardo Mattos, do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro; Orlando Santos Junior, do Observatório das Metrópoles; Eliane Oliveira, da Pastoral das Favelas; Aruan Braga, do Observatório de Favelas; Marcello Deodoro, da Comunidade Indiana; e Jurema Constâncio, da União por Moradia Popular do Rio de Janeiro.