A situação dos entregadores e motoristas de aplicativos foi tema de uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (14) pela Comissão de Trabalho da Câmara Municipal do Rio. Na reunião, parlamentares, especialistas e representantes dos trabalhadores discutiram o Projeto de Lei (PL) 103/2021, do vereador Tarcísio Motta (PSOL), que obriga as empresas de aplicativo de entregas e de transporte individual privado de passageiros a manter pontos de apoio para motoristas e entregadores.
O projeto prevê que empresas ofereçam pontos com banheiro, sala de descanso, internet sem fio, espaço para refeição, vagas para bicicletas e motos e local de espera para veículos de transporte individual. A medida determina ainda que os custos com a implementação são de responsabilidade exclusiva das empresas e não poderão ser cobrados ou repassados sob qualquer forma aos seus entregadores, motoristas e demais colaboradores.
Para Renan Resende, da Associação Profissionais por Aplicativo, o projeto seria um avanço. Ele afirmou que atualmente nem as empresas nem a sociedade enxergam a categoria com dignidade. "Estamos sentados no chão, debaixo da marquise, sem uniforme, de chinelo e somos vistos como marginais. Nós não somos autônomos. Temos quem cobre por nosso serviço e a quem chamar de patrão”, denunciou. “É triste e vergonhoso estar aqui pedindo aos aplicativos um ponto de apoio, um banheiro, um acesso à rede. Temos horário para entrar e sair e mesmo para descansar. É preciso compreender que sem entregador os aplicativos não funcionam”, protestou o entregador Ralf Alexandre Campos.
Presidente da comissão, o vereador William Siri (PSOL) afirmou que é preciso que o Poder Público atue para proteger os trabalhadores. “Há distorções que o parlamento precisa resolver, como o avanço da tecnologia com aumento das desigualdades”, afirmou. “Este é o início de um esforço para dar o mínimo de dignidade aos motoristas e entregadores por aplicativo em nossa cidade”, completou.
Condições de trabalho
Letícia Pessoa, do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz, apresentou dados de sua pesquisa que confirmam a precarização das relações de trabalho nas empresas de tecnologia. “O gerenciamento algorítmico contribui para impor conduta aos trabalhadores, incitando-os a mais e mais entregas, o que gera aumento de velocidade, acidentes e estresse. Apesar do discurso de empreendedorismo individual, há um processo que demanda padrões mínimos de justiça e equidade, sendo preciso que o Poder Público garanta condições de um trabalho decente, adequadamente remunerado, exercido com liberdade, equidade, saúde e segurança”, afirmou.
O vereador Tarcísio Motta destacou que o projeto é um primeiro passo para frear o processo de precarização das relações de trabalho. “Trabalhadores se submetem a uma jornada de 12, 14 horas diárias, muitos deles todos os dias. Nossa tarefa é debater esse assunto e aprovar o projeto, que embora não resolva todos os problemas, garante um mínimo de dignidade a essas pessoas”, disse.
O vereador Pedro Duarte (Novo) questionou se a obrigação de instalar pontos de apoio não poderia funcionar como uma cláusula de barreira para as novas empresas, aumentando o custo de entrada, beneficiando companhias já consolidadas. Ele também questionou se o custo da criação dos pontos de apoio não recairia sobre os próprios profissionais ou consumidores, já que numa economia de mercado os custos são sempre repassados. O parlamentar sugeriu que o caminho seria abrir uma negociação com os empreendimentos parceiros. “Se temos quinhentos restaurantes com quinhentos banheiros, por que não torná-los parceiros da medida? A descentralização da obrigação me parece ser o caminho mais viável”, afirmou.
Precarização
Ricardo Antunes, do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e Suas Metamorfoses da Unicamp, explica que esse processo de precarização das relações de trabalho tem início com a crise de 2008, que gerou um desemprego estrutural e obrigou o desenvolvimento tecnológico, sobretudo das plataformas digitais. Segundo Antunes, nesse contexto as plataformas desenvolveram como estratégia de negócio uma prestação de serviço que conciliou a absorção dessa mão de obra num formato à margem da legislação trabalhista. “Não é possível convivermos em pleno século XXI com condições de trabalho do século XIX. Estamos aqui discutindo acesso ao banheiro. Esse processo gera como consequências acidente, assédio, adoecimento e morte: um resultado trágico”, alertou.
Membro vogal da comissão, o vereador Rocal concluiu que o colegiado cumpre seu papel de discutir, ouvir e debater o projeto, tão essencial para trabalhadores, que têm sido invisibilizados pela sociedade. “Esse projeto de lei tem por fim acabar com o trabalho escravo que insiste em ocorrer em pleno século XXI”, protestou.
Além dos motoristas e entregadores, participaram da reunião Gibran Ramos Jordão, coordenador nacional do Coletivo Sindical e Popular Travessia; Denis Moura, da Associação dos Motoristas Particulares e Autônomos do Rio de Janeiro; Renan Resende, da Associação Profissionais por Aplicativo; e Paulo Teixeira, da União dos Motoristas de Aplicativo do Rio de Janeiro. Também participaram do debate os vereadores Rocal (PSD), Reimont (PT), Teresa Bergher (Cidadania), Paulo Pinheiro (PSOL) e o deputado distrital Fábio Félix, autor de lei análoga aprovada no Distrito Federal.