A cidade do Rio de Janerio já registrou 78 casos de Leishmaniose Visceral em animais até maio deste ano, com a maioria dos registroa na Zona Norte da cidade. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (23), em audiência pública realizada na Câmara Municipal do Rio pela Comissão Especial de saúde animal, reunindo parlamentares, representantes do poder público, especialistas, protetores e tutores. Na ocasião, os participantes destacaram a importância da prevenção, do diagnóstico correto e do monitoramento desta zoonose que também pode ser transmitida para humanos por meio da picada de um mosquito.. A doença, que atinge principalmente cães, pode ser transmitida aos humanos
Presidente do colegiado, o vereador Dr. Marcos Paulo (PSOL) ressaltou que a zoonose ainda é desconhecida por grande parte da população e que o tratamento de animais com a doença é custoso. Ele ainda disse que é urgente pensar em soluções porque a eutanásia não é a melhor alternativa e acrescentou que vai criar uma cartilha sobre a doença com o auxílio de veterinários.
“Quando vem a doença, a situação é muito mais complicada. Principalmente uma doença que não tem cura, tem controle e que ainda há um estigma na sociedade. Muitos acham que o animal com leishmaniose ou com algumas outras doenças são sinônimo de eutanásia, de matar o animal. Então, é importante também essa questão do conhecimento, da educação da população, da conscientização”, enfatizou o parlamentar.
A presidente do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária (IVISA-RIO), Aline Borges, trouxe um panorama atual da leishmaniose visceral no município e disse que foram feitos mais mil testes em animais somente em 2023. “Aqui no município do Rio, até maio deste ano, nós detectamos 78 animais positivos e eles são oriundos da AP 3, principalmente Cachambi, Cascadura, Méier, Piedade, Quintino, Encantado, são os bairros com maior número de casos”, informou Borges.
A Leishmaniose Visceral é uma doença causada pelo protozoário Leishmania chagasi, que é transmitido por meio da picada de um inseto chamado flebotomíneo (Lutzomyia longipalpis), popularmente conhecido por mosquito palha e que pode atingir pessoas e animais, principalmente os cães. O mosquito palha se contamina picando um cão infectado e posteriormente uma pessoa. Não há transmissão direta entre pessoas e pessoas e cães.
Representando o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-RJ), o médico-veterinário Julio Israel Fernandes falou que o diagnóstico da doença é complexo porque de 50% a 60% dos animais doentes são assintomáticos. Além disso, é necessário fazer mais um teste para confirmar a zoonose.
“Existem cães que são assintomáticos. Mas dentro do grupo dos cães sintomáticos, aqueles que têm sinal clínico, o principal que a gente vê é o aumento de algumas estruturas corpóreas do animal, quando o tutor faz carinho no cão ele percebe uma bolinha diferente próxima ao pescoço, nos membros posteriores. Outra coisa também são as lesões cutâneas. Os animais com leishmaniose tem muito problema de pele, muita falta de pelo, descamação. Eventualmente, a gente pode observar animal com secreção ocular. São alguns sinais clínicos dos sintomáticos”, observou Fernandes.
Prevenção é a melhor solução
Muitos animais são sacrificados quando diagnosticados com a doença. Ela não tem cura, mas existe tratamento. Entretanto, a medicação tem um alto custo e muitos tutores não têm como arcar com os gastos. Por isso, Elizabeth Ferreira Rangel acredita que o melhor caminho é executar ações de prevenção. Ela é vice-diretora dos Laboratórios de Referência, Ambulatórios e Coleções Biológicas da Fiocruz , consultora do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para Vigilância e Controle das Leishmanioses com foco nos insetos vetores.
“Como você chega para uma família, como a que nós conhecemos na Água Santa, para falar de usar um medicamento que terá que ser comprado ou de botar uma coleira que terá que ser trocada a cada seis meses, quando aquela pessoa mal tem dinheiro para comer? O Ministério da Saúde e a Opas preconizam como ação preventiva a atividade de educação e saúde. Se você faz sob uma forma de oficinas, com uma linguagem bem acessível, na comunidade, na escola, junto com os profissionais das secretarias de saúde e de meio ambiente. Você passa o conhecimento sobre a doença e tem um número maior de atores envolvidos na vigilância da doença”, sublinhou a especialista.
Presidente da Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais), Marcelo Mattos Marques mostrou um vídeo com as cadelas Caspa, Ervilha e Márcia Raquel. Elas possuem a doença e são cuidadas pela instituição. “Hoje a Suipa se encontra com 45 animais positivos. É claro que alguns animais não responderam à medicação, mas outros sim. E mesmo que fosse só que sobrevivesse, está valendo. Por que eu vou exterminar? Não consigo aceitar esta opção. Temos que tentar”, exclamou. Marques acrescentou que todo o controle é feito pela Vigilância Sanitária, que o canil onde ficam os animais possuem a tela recomendada e que os cães usam as coleiras necessárias.
Sandra dos Santos é tutora do Zeus, um cachorro que tem seis anos e possui leishmaniose. Ela contou um pouco da sua história com o seu pet. “Eu peguei o Zeus com seis meses, ele ia ser sacrificado. Então, ele já estava em tratamento na Universidade de Brasília. Fizemos todo o tratamento, seguindo as recomendações do médico e do hospital. Hoje em dia o cachorro é lindo e maravilhoso, com total controle da doença”, celebrou a tutora.
Cobranças ao poder público
Relator da Comissão Especial, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) fez questionamentos à prefeitura. “Que trabalho o poder público pode ter em relação ao vetor? Como trabalhar? Esse vetor tem áreas da cidade onde ele está presente? Qual a avaliação que se tem sobre isso”, indagou o parlamentar.
Aline Borges explicou quais são os procedimentos feitos pela prefeitura quando um caso da doença é registrado. “Essa questão do acompanhamento em relação aos animais positivos. Quando a gente recebe alguma demanda para fazer teste e verificar um animal positivo na região, nós conversamos com o tutor e ele não querendo sacrificar o animal a gente vai fazendo o acompanhamento, dá a orientação para que ele coloque a coleira para evitar que os mosquitos cheguem ao animal. Também tem toda a recomendação de manter todo o canil telado, evitar deixar o animal solto nos horários de maior incidência do mosquito que é no fim da tarde até o início da manhã. E o recomendável é que o animal quando positivo precisa ser tratado, embora o medicamento seja muito caro. Ele precisa ser tratado porque o objetivo é diminuir a carga parasitológica dele. Ele precisa fazer um acompanhamento junto a um veterinário particular ou em uma das nossas unidades”, explicou a presidente do IVISA-RIO.
A vereadora Luciana Novaes (PT) também participou da audiência pública, além de representantes da sociedade civil.