Quinta, 22 Junho 2023

Comissão sobre Violações de Direitos da Mulher realiza sua 1ª audiência pública

Aumentar a transparência dos dados, mapear as principais violações aos direitos das mulheres, fiscalizar equipamentos públicos e abrir novos espaços de escuta foram as principais pautas extraídas do primeiro encontro da comissão, nesta quarta-feira (21)

Renan Olaz
Comissão sobre Violações de Direitos da Mulher realiza sua 1ª audiência pública

Para travar uma luta feminista, antiracista, transinclusiva, anticapacitista e pela diversidade, a Comissão Especial sobre Violação de Direitos da Mulher da Câmara do Rio reuniu mulheres de diversos setores, segmentos e perfis sociais para debater violência de gênero. O propósito do encontro foi ouvir demandas e recolher propostas a serem trabalhadas como políticas públicas para enfrentar a situação, que tem se agravado nos últimos anos. A comissão é composta pelas vereadoras Luciana Boiteux (PSOL), presidente; Luciana Novaes (PT), relatora; e Thais Ferreira (PSOL), vogal. 

Boiteux abriu os trabalhos enfatizando que essa é a primeira de várias reuniões, pois “é imensa a construção coletiva que precisa ser feita para transformar a realidade”. Segundo a parlamentar, "esse é o início de um  processo coletivo de levantar um diagnóstico da rede, mapear as principais violações aos direitos das mulheres, fiscalizar os equipamentos de acolhimento e apoio e abrir novos espaços de escuta”, explicou. 

Em suas boas vindas, Luciana Novaes destacou a importância da troca de ideias e lembrou sua trajetória de vida. “Sou vítima da violência urbana e só sobrevivi porque tenho a missão de transformar a sociedade. Quero usar a minha história para garantir que nenhuma mulher seja ofendida. Precisamos ser ouvidas e fomos eleitas para dar voz a todas as mulheres, com ou sem deficiência, que sofrem violência todos os dias”.

 

Dados

Boiteux revela que houve aumento da violência contra a mulher nos últimos anos, sobretudo após a pandemia, e destaca que esse avanço se deu, principalmente, contra as mulheres negras. “Levantamento feito pelo mandato aponta incremento dos números de violação dos direitos da mulher. Entretanto, esses dados não aparecem nas estatísticas oficiais, eles estão invisibilizados. Precisamos mostrar como essa violência está estabelecida em cada território”, disse. 

Silvia Batista, da Teia de Solidariedade da Zona Oeste, lembrou que a ausência de dados também é uma informação, como acontece com o SUAS. “A coleta dos dados das mulheres vítimas de violência não é obrigatória nos CRAS. A qual interesse isso atende? Propomos a criação de um grupo de trabalho para estudar a descentralização de dados que existem no sistema de educação, de saúde e de assistência social da cidade. Além do mais, precisamos que as mulheres que trabalham nesses órgãos ajudem a refletir sobre esses dados e divulguem essas informações para toda a sociedade”, sugeriu. 

A pesquisadora Isadora Vianna, coordenadora do Núcleo de Estudos de Desigualdade Contemporâneas e Relações de Gênero da UERJ, que estuda casos de feminicídios nos Tribunais do Júri, revelou que os dados contidos nos diversos casos julgados são desconexos e pouco trabalhados. “Não sabemos o fluxo dos casos de violência doméstica, de estupro e de feminicídio. Quantos feminicídios tentados são desqualificados do Tribunal do Júri e passam a ser julgados como lesões corporais? Não sabemos. Não sabemos nem ao certo o perfil das vítimas de crime de gênero. O que sabemos é que quanto mais a pele escurece, mais a violência se agrava. E que a maior parte das mulheres que possuem deficiência são vítimas de violência sexual.  Precisamos de transparência de dados para diagnosticar, de fato, o fenômeno da violência de gênero no país”, ressaltou.

Flávia Brasil Barbosa do Nascimento, Coordenadora de Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, acrescentou que o público majoritário do órgão são as mulheres, que buscam amparo para propor ações tanto de Direito de Família como de Direito Penal. “Embora atuemos de maneira transversal, com núcleos especializados em equidade racial, violações dos direitos das pessoas LGBTQIA+ e violação de direitos de pessoas com deficiência, são as mulheres que mais acionam o órgão, pois são as mulheres que cuidam mais do outro”, disse. Para Flávia, a luta das mulheres não é bem vista por muitos setores da sociedade. “Vimos que as violações são por ação, omissão e pelo desmonte das políticas públicas existentes. Por isso precisamos atuar”, convocou.

 

Raça, gênero e território

Rose Freitas, do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, trouxe à discussão o elemento racial. Segundo a ativista, as mulheres “quanto mais pretas, mais periféricas e mais violadas”. Rose destaca que é preciso falar das violações raciais. “Quando falamos de violência obstétrica, as pretas sofrem mais. Quando falamos de feminicídio, as pretas sofrem mais. Quando falamos de acesso a direitos, as pretas acessam menos. O elemento raça precisa entrar na equação. As transformações que queremos serão femininas e pretas, ou não serão!”, garantiu. 

Silvia Batista disse que a mulher negra sente no corpo, a todo momento, a violência e a violação de seus direitos. “Sou mulher negra, pobre e que vive na periferia. Essa noção de corpo-território me diz que meu corpo é atravessado pela violência todos os dias. Precisamos vencer o medo cotidianamente”, acrescentou.

Cacau Faria, da Associação Brasileira de Lésbicas, cobrou das autoridades que as lésbicas sejam lembradas pelo Estado. “Nosso nome não é citado em qualquer política pública. A população LGBT é posta para fora de casa e da vida pública. Precisamos de campanhas que citem nosso nome. Também sofremos todos os tipos de violências com suas interseccionalidades. Sofremos violência na saúde e na política, basta lembrar de Marielle Franco. Que sejamos convidadas a falar sobre nosso direito reprodutivo e sexual, sobre o nosso direito à visibilidade de nossas demandas e à memória de nossas histórias.” 

Adriana Greta, representando a Rede Transque, lembrou que as mulheres trans também estão incluídas na Lei Maria da Penha e precisam ter a quem recorrer em casos de violência. “Se não pudermos denunciar, nada será feito e nada mudará. Temos que ter portas abertas em todos os lugares. 95% das mulheres trans estão na prostituição. Durante a pandemia, com a impossibilidade de viver dos próprios corpos, muitas voltaram para casa e foram mortas pela própria família. Por isso precisamos da presença de quem pode nos ajudar, de ter a quem pedir socorro. O silêncio não nos livrará da violência. É preciso gritar”, salientou.

 

Capacitismo, violência obstétrica, jurídica e laboral

Claudia Araújo, Membro da Diretoria da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ e coordenadora da Frente Nacional de Mulheres com Deficiência, reclamou que as mulheres não são chamadas a debater o feminismo. “Precisamos falar sobre o capacitismo estrutural que sofremos pelos recursos que a cidade nos oferece. As políticas públicas precisam se fortalecer com a diversidade e a força de todas nós”, cobrou

Penha da Silva, do Coletivo Todas Unidas, contou que sofreu violência obstétrica e jurídica quando esteve encarcerada. Somos compostas por ex-presidiárias e mulheres trans. Eu sofri violência obstétrica no cárcere e tive minha filha tirada de mim. Sofri muito, não tive o direito de falar nada por estar sem a minha liberdade. Fui mutilada pelo médico dentro da cadeia. Precisamos de mulheres como vocês para nos ajudar. Participar do coletivo tem sido a minha salvação”, confidenciou.

Coordenadora do GT de Gênero da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Brunela Moraes denunciou a existência de um Low Fare (utilização do sistema de Justiça como vingança) que pune as mulheres, principalmente com o emprego da Lei de Alienação Parental. “Essas violências processuais se transformam em violência psicológica, que viram violência patrimonial e assim vai escalando. A utilização do sistema de Justiça contra as advogadas tem sido recorrente. A OAB está confeccionando uma cartilha para os processos ético-disciplinares na OAB”, adiantou.

Representando a UBM Carioca, Norma Bonfim disse que as mulheres que trabalham no comércio sofrem muita violência psicológica, assédio moral, sexual e diversas outras formas de violência. “As mulheres trans, lésbicas e portadoras de deficiência são muito oprimidas. Muitas preferem ficar desempregadas a ficar no trabalho. Precisamos de políticas públicas para combater a violência contra todas as trabalhadoras”, solicitou. Maria dos Camelôs, do Movimento Unidos dos Camelôs (MUCA) enfatizou que a mesma Guarda Municipal que realiza a defesa das mulheres vítimas da Lei Maria da Penha é a mesma que bate em mulher, persegue moradores de rua e retém mercadorias, que são o sustento de muitas famílias. “É precisam que entendam que somos trabalhadores. Não vamos sair das ruas e vamos trabalhar muito para que nossos filhos não sejam vítimas do estado”, disparou.  

 

Encaminhamentos

Boiteux  garantiu que as denúncias serão aprofundadas. “A ideia é pressionar por transparência a partir das bases de dados oficiais para propor e formular políticas públicas. Vamos criar Rodas de Escuta com movimentos sociais e organizações de mulheres para tratar com mais detalhes as temáticas levantadas, a partir da perspectiva dos diversos territórios da cidade do Rio de Janeiro, com ênfase na Zona Norte”, A parlamentar se empenhou em trabalhar para construir na região uma Casa da Mulher Brasileira, um dos eixos do programa Mulher, Viver sem Violência, do Governo Federal, que facilita o acesso aos serviços especializados para garantir condições de enfrentamento à violência, o empoderamento da mulher e sua autonomia econômica. 

Também estiveram presentes na audiência Tatiane Araújo,  da Rede das Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir; Cláudia Sabino, da Creche Chácara do Céu, no Morro do Borel; Dani do Forró sem Assédio; Ana Luisa, do Movimento de Mães Ativistas (MMA); Patrícia Santos, das Juristas Negras e Elza Serra, presidente da Federação das Mulheres Fluminenses. Por estar de licença maternidade, a vereadora Thais Ferreira se fez representar por servidores do mandato.

 

 

 

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Última modificação em Quinta, 22 Junho 2023 01:55
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