Um dos principais indicadores de saúde coletiva é o índice de mortalidade materna, termo que caracteriza a morte de uma mulher durante a gestação ou em até 42 dias após o parto. Infelizmente, os dados no estado do Rio de Janeiro são alarmantes. Durante a pandemia, a taxa de óbitos de mulheres nesse grupo a cada 100 mil nascidos vivos mais que dobrou, saltando de 73,5 em 2019 – antes da pandemia de Covid-19 –, para 155, em 2021. Entretanto, a mortalidade materna vem subindo no Rio desde antes da pandemia. Entre 2018 e 2019, a razão foi de 61,7 para 73,5 em todo o estado, e de 60,6 para 81 na capital.
Para debater o assunto, a Comissão de Higiene, Saúde Pública e Bem-Estar Social da Câmara Municipal do Rio de Janeiro realizou audiência pública com representantes da Secretaria Municipal de Saúde com o tema “Análise da Mortalidade Materna''. Participaram do encontro os vereadores Paulo Pinheiro (PSOL), Dr. João Ricardo (PSC), Dr. Carlos Eduardo (PDT) e Monica Benicio (PSOL), os representantes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) Renato Cony, superintendente de Atenção Primária da SMS; Márcio Luis Ferreira, superintendente de Hospitais Pediátricos e Maternidades da SMS; Lívia de Souza Câmara, da Gerência da Área Técnica da Mulher na Atenção Primária; e Carlos Augusto Rodrigues Alvarenga, da Superintendência de Vigilância em Saúde. Também estiveram presentes Lia Maria Manso Siqueira, coordenadora de projetos da organização civil Criola; e Mariane Marçal, representando a deputada estadual Mônica Francisco.
Paulo Pinheiro abriu os trabalhos elencando os dados sobre mortalidade materna no município e ressaltando a diferença de índices por áreas da cidade. “Na série histórica, morreram 60 mulheres em 2011 e 107 em 2021. É uma razão muito alta. Temos 156 mortos para cada 100 mil nascidos vivos. E cabe frisar que há uma diferença enorme quando se compara os índices por áreas da cidade. Há mais mortes em locais de maior vulnerabilidade econômica do que nas áreas mais abastadas. Qual a estratégia da prefeitura para enfrentar esse problema?” questionou.
Renato Cony fez um diagnóstico das mortes, segundo o qual as maiores causas de óbitos são por complicações por infecção, sangramento, hipertensão arterial e diabetes gestacional. De acordo com Cony, mulheres pretas morrem mais que as brancas e as pobres morrem mais do que as mulheres com melhor condição socioeconômica. “desta forma, é necessário melhorar o acompanhamento do pré natal, parto e puerpério. E para isso a prefeitura conta com um plano estruturado em cinco eixos: planejamento sexual-reprodutivo, assistência ao pré-natal, informatização das unidades, vulnerabilidades e iniquidades, comitê de investigação de óbito”, destacou.
A vereadora Monica Benicio lembrou que a mortalidade materna não é uma questão nova e que, infelizmente, a cidade vive uma escalada que levanta o alerta sobre os direitos das mulheres e das gestantes. “Em apenas 7 meses de 2021, a cidade alcançou o índice de óbitos de todo o ano de 2020. O Brasil tem as maiores taxas de mortalidade materna por Covid-19 em todo o mundo”, disse. De acordo com Benicio, racismo e misoginia são temas centrais que também devem ser levados em consideração na apuração da mortalidade materna. “Além disso, é preciso pontuar que o aborto inseguro tambémcontribui para esses números, por isso a importância da luta pelo aborto legal e pela descriminalização do aborto em nosso país”, defendeu.
Representando a organização Criola, Lia Mancio enfatizou que ser gestante no Rio de Janeiro é uma situação de risco, ainda mais se forem mulheres negras e homens trans negros. “A mortalidade materna é um problema de construção de políticas efetivas com responsabilidade dos três níveis de gestão. É preciso enfrentar o racismo no sistema de saúde, que faz dobrar índices entre negras e brancas, e a violência obstétrica. Retrocedemos à década de 90 no combate à mortalidade materna em apenas dois anos. É importante que se ressalte que o enfrentamento à mortalidade materna é um enfrentamento ao racismo”, lembrou.
O superintendente de Hospitais Pediátricos e Maternidades da SMS, Márcio Luis Ferreira, reconheceu que os indicadores são preocupantes e por isso a importância de dialogar com a sociedade. Em sua intervenção, o gestor falou sobre as metas de atendimento da rede cegonha, cuja previsão é realizar 42 mil atendimentos no próximo ano, do processo formativo de profissionais de saúde e dos convênios assinados pela prefeitura para contratar enfermeiros obstetras, médicos, fonoaudiólogos e outros, além do plano de reformas e manutenção predial.
Por fim, Paulo Pinheiro colocou a comissão de saúde à disposição para funcionar como um canal de diálogo para o combate à mortalidade materna. Para o vereador, as mortes evitáveis, o racismo estrutural e a violência obstétrica precisam ser combatidos com rigor, e para isso é fundamental a participação da sociedade e o envolvimento de todos os interessados. “Sabemos da importância dos conselhos de saúde, mas vejo uma grande crise de representação popular. Precisamos engajar as pessoas. Parto e nascimento não são doenças. É alegria na vida de todos nós”, concluiu.